terça-feira, 15 de setembro de 2015

Fraude do devedor

FRAUDE DO DEVEDOR (ALIENAÇÃO FRAUDULENTA)
fonte: www.dizerodireito.com.br

  • A legislação prevê três espécies de fraude do devedor (alienações fraudulentas) e as formas de combatê-las:
a) Fraude contra credores;
b) Fraude à execução;
c) Atos de disposição de bem já penhorado.

1. FRAUDE CONTRA CREDORES (ou FRAUDE PAULIANA)
1.1 Conceito e caracterização
  • Vício social (arts. 158 a 165 do CC) que ocorre quando o devedor insolvente ou próximo da insolvência aliena (gratuita ou onerosamente) seus bens, com o objetivo de impedir que seu patrimônio seja utilizado pelos credores para saldar as dívidas.
  • Ex: Honofre contraiu um empréstimo e não mais conseguiu pagar as parcelas. Antes que o mutuante buscasse judicialmente o cumprimento da obrigação, ele transferiu o seu carro (único bem que possuía em seu nome) ao irmão, que sabia de toda a situação.

2. Natureza da alienação fraudulenta:
Se for reconhecida a ocorrência de fraude contra credores, a alienação realizada será considerada válida, anulável ou nula?

1ª corrente:
ANULÁVEL
2ª corrente:
VÁLIDA, mas INEFICAZ perante o credor
Adotada pelo CC-2002 se considerarmos a sua redação literal:

Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.

Nesse sentido: Nelson Nery, Sílvio Rodrigues, Luiz Guilherme Marinoni.
Para esta outra corrente, a alienação é válida, mas ineficaz perante o credor.






Na doutrina, é defendida por Yussef Cahali, Dinamarco, Teori Zawascki.

Quais são os pressupostos que devem ser provados pelo credor:

a) Eventus damni (dano): é o prejuízo provocado ao credor. Deverá ser demonstrado que a alienação acarretou prejuízo ao credor porque esta disposição dos bens levou o devedor à insolvência ou agravou ainda mais esse estado (pressuposto objetivo).

b) Consilium fraudis: é o conluio fraudulento entre o alienante e o adquirente. Para que haja a anulação, o adquirente precisa estar de má-fé (pressuposto subjetivo).
  • Presunção do consilium fraudis (art. 159, CC):
  • Quando a insolvência do devedor/alienante for notória. Ex: Varig.
  • Quando houver motivo para que a insolvência do devedor/alienante seja conhecida do outro contratante. Ex: se o negócio jurídico for celebrado entre dois irmãos ou entre sogro e genro.
  • Dispensa de prova do consilium fraudis (art. 158, CC): alienação gratuita ou remissão (perdão) de dívida, do devedor insolvente ou por eles reduzido à insolvência.

Pressupostos da fraude contra credores
No caso de alienação onerosa:
Eventus damni + consilium fraudis + anterioridade do crédito
Na alienação gratuita ou remissão de dívida:
Eventus damni + anterioridade do crédito

c) Anterioridade do crédito:
  • Assim, em regra, somente quem já era credor no momento da alienação fraudulenta é que poderá pedir a anulação do negócio jurídico.
  • Dispensa excepcional da anterioridade do crédito: quando for verificado que houve uma fraude predeterminada em detrimento de credores futuros (REsp 1092134/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/08/2010).

Reconhecimento da fraude contra credores
  • Necessidade de prolação de sentença em uma ação própria proposta pelo credor, chamada de “ação pauliana” (ou “ação revocatória”).

Legitimidade para a ação:
Polo ativo:
Em regra, a ação deverá ser proposta pelo credor quirografário.
Credor que possua uma garantia contra o devedor/alienante, caso demonstre que a sua garantia se tornou insuficiente em razão da alienação promovida pelo devedor.

Polo passivo:
Em regra, a ação é proposta contra o devedor insolvente e contra a pessoa que com ele celebrou o negócio fraudulento (litisconsórcio passivo necessário).
Se a pessoa que celebrou o negócio fraudulento já repassou o bem para uma terceira pessoa, a ação será intentada contra o devedor insolvente, contra a pessoa que celebrou o negócio com o devedor e contra o terceiro adquirente (deverá ser provado que o terceiro agiu de má-fé), cfe. arts. 161, CC.

Prazo (art. 178, CC):
A ação pauliana possui prazo decadencial de 4 anos, contados da data em que foi realizada a alienação.

Impossibilidade do reconhecimento da fraude contra credores, de forma incidental, em um outro processo que não seja originado por conta de uma ação pauliana:
Súmula 195-STJ: Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores.

Outros dispositivos legais sobre a fraude contra credores: arts. 160 a 165, CC.


2. FRAUDE À EXECUÇÃO

2.1 Conceito
  • consiste no ato do devedor de alienar ou gravar com ônus real (ex: dar em hipoteca) um bem que lhe pertence, em uma das situações previstas nos incisos do art. 792 do NCPC (art. 593, CPC73).
  • A fraude contra a execução, além de causar prejuízo ao credor, configura ato atentatório à dignidade da Justiça (NCPC, art. 774, I; art. 600, I, do CPC).

2. Hipóteses em que há fraude à execução segundo o CPC
  • Se o devedor alienou ou gravou com ônus real determinado bem praticando fraude à execução, esse bem continua respondendo pela dívida e poderá ser executado (poderá ser expropriado pelo credor) (NCPC, art. 790, V; art. 592, V, do CPC).

É possível que ocorra fraude à execução se a alienação ou oneração ocorreu antes que a execução tenha sido proposta?
NÃO. Para que ocorra a fraude à execução é necessário que a execução tenha sido ao menos ajuizada.

É possível que ocorra fraude à execução se a alienação ou oneração ocorreu antes que o executado tenha sido citado?
  • Em regra, NÃO. Em regra, para que haja fraude à execução é indispensável que a alienação ou oneração tenham acontecido após o devedor ter sido citado. Isso porque para que haja fraude é necessário que o devedor soubesse que estava sendo executado quando alienou ou onerou o bem. Quando o devedor é citado existe a certeza de que a partir daquele momento ele tem consciência da existência do processo.
  • Logo, se o devedor vender ou onerar o bem depois de a execução ter sido ajuizada, mas antes de ele ser citado, em regra, não haverá fraude à execução.

Por que se falou “em regra”? É possível que se reconheça a fraude à execução se o devedor vendeu ou onerou o bem mesmo antes de ser citado?
  • SIM. Existe uma situação em que será possível reconhecer a fraude à execução quando o devedor alienou ou onerou o bem após o ajuizamento, mas antes de ser citado. Isso ocorre quando o exequente fez a averbação da execução nos registros públicos (NCPC, art. 828; art. 615-A do CPC). Esse artigo permitiu que o exequente faça a averbação do ajuizamento da execução em registro público de bens sujeitos à penhora ou arresto.

Explicando em simples palavras:
Logo após dar entrada na execução, o credor pode obter uma certidão no fórum declarando que ele ajuizou uma execução contra Fulano (devedor) cobrando determinada quantia.
Em seguida, o exequente vai até os registros públicos onde possa haver bens do devedor lá registrados (exs: registro de imóveis, DETRAN, registro de embarcações na capitania dos portos) e pede para que seja feita a averbação (uma espécie de anotação/observação feita no registro) da existência dessa execução contra o proprietário daquele bem.
Assim, se alguém for consultar a situação daquele bem, haverá uma averbação (anotação) de que existe uma execução contra o proprietário.
Essa providência serve como um aviso ao devedor e um alerta para a pessoa que eventualmente quiser adquirir a coisa já que eles, ao consultarem a situação do bem, saberão que existe uma execução contra o alienante e que aquele não pode ser vendido, sob pena de haver fraude à execução.
Se o devedor alienar ou onerar o bem após o credor ter feito a averbação, essa alienação ou oneração é ineficaz (não produz efeitos) porque haverá uma presunção absoluta de que ocorreu fraude à execução.

Regra geral: para que haja fraude à execução é indispensável que tenha havido a citação válida do devedor.
Exceção: mesmo sem citação válida, haverá fraude à execução se, quando o devedor alienou ou onerou o bem, o credor já havia realizado a averbação da execução nos registros públicos (art. 615-A do CPC). Presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após essa averbação (§ 3º do art. 615-A).

Se o credor perceber que o devedor, mesmo após ter sido proposta a execução, fez alienação ou oneração de bens ele precisará ajuizar uma ação para provar que houve a fraude à execução?
NÃO. Basta que o credor lesado apresente uma petição ao juízo onde tramita a execução pedindo que seja reconhecida a fraude à execução e declarada a ineficácia do ato de disposição (alienação ou oneração).
Atenção: o ato praticado em fraude à execução é um ato válido, mas ineficaz perante o credor (reconhecida a fraude à execução, o juiz decretará a ineficácia da alienação).

Como fica a situação da pessoa que adquiriu o bem alienado (chamado de “terceiro”)? Esse terceiro perderá o bem? Como protegê-lo?
Ao mesmo tempo que se deve evitar a fraude à execução, é também necessário que se proteja o terceiro de boa-fé. Assim, somente será possível reconhecer a fraude à execução se:
ficar provado a má-fé do terceiro adquirente; ou
se no momento da alienação, o bem vendido já estava penhorado na execução e essa penhora estava registrada no cartório de imóveis (NCPC, art. 836; § 4º do art. 659, CPC73).

Súmula 375-STJ: O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.

De quem é o ônus de provar que o terceiro adquirente estava de má-fé?
Do credor (exequente). Em regra, a boa-fé se presume, a má-fé se prova.
O que é o registro da penhora? É o mesmo que a averbação do art. 798 que vimos acima?
  • NÃO. O registro da penhora é uma coisa e a averbação do art. 798 do NCPC é outra completamente diversa.
  • Penhorar significa apreender judicialmente os bens do devedor para utilizá-los, direta ou indiretamente, na satisfação do crédito executado.
  • A penhora ocorra depois que já existe execução em curso e o executado já foi citado e não pagou.
  • Após ser realizada a penhora, o exequente, para se resguardar ainda mais, pode pegar, na Secretaria da Vara onde tramita a execução, uma certidão de inteiro teor narrando que foi realizada a penhora sobre determinado bem. Após, de posse dessa certidão, ele poderá ir até o cartório de registro de imóveis e pedir que seja feita a averbação da penhora (NCPC, art. 836; art. 659, §4°).
  • Caso faça a averbação isso irá gerar uma presunção absoluta de que todas as pessoas sabem que esse bem está penhorado. Logo, se alguém adquirir o bem, tal pessoa será considerada terceiro de má-fé e essa venda não será eficaz: o terceiro, mesmo tendo pago o preço, perderá a coisa porque adquiriu bem cuja penhora estava registrada.

Crítica à Súmula 375-STJ
  • De forma muito rápida para não complicar ainda mais esse tema que é difícil, deve-se alertar para o fato de que alguns doutrinadores criticam esse enunciado porque ele confunde o instituto da “fraude à execução” com a “alienação de bem penhorado”.
  • Para a doutrina, quando o executado vende um bem seu que está penhorado, ele não comete “fraude à execução”, mas sim um ato fraudulento ainda mais grave e atentatório à jurisdição chamado de “alienação de bem penhorado”.
Cuidado: na grande maioria das provas, fique com o entendimento exposto na súmula. Somente fale sobre essa crítica da doutrina se você for expressamente perguntado sobre isso. Caso contrário, não é necessário entrar nessa celeuma.

Teses definidas pelo STJ
O STJ apreciando o tema sob o regime do recurso repetitivo, reafirmou os entendimentos acima expostos e definiu as seguintes teses:
1) Em regra, para que haja fraude à execução é indispensável que tenha havido a citação válida do devedor;
2) Mesmo sem citação válida, haverá fraude à execução se, quando o devedor alienou ou onerou o bem, o credor já havia realizado a averbação da execução nos registros públicos (NCPC, art. 828; art. 615-A do CPC). Presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após essa averbação (NCPC, art. 828, § 4º; § 3º do art. 615-A do CPC).
3) Persiste válida a Súmula 375 do STJ segundo a qual o reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente;
4) A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, devendo ser respeitado a parêmia (ditado) milenar que diz o seguinte: “a boa-fé se presume, a má-fé se prova”;
5) Assim, não havendo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus de provar que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência (NCPC, art. 836; art. 659, § 4º, do CPC).

STJ. Corte Especial. REsp 956.943-PR, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20/8/2014 (recurso repetitivo) (Info 552).

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