sábado, 27 de fevereiro de 2016

Recursos civis - sucumbência formal e material

SUCUMBÊNCIA FORMAL E MATERIAL

A ideia de utilidade de prestação jurisdicional presente no interessa de agir verifica-se no interesse recursal, entendendo-se que somente será julgado em seu mérito o recurso que possa ser útil ao recorrente" (Daniel Assumpção, Manual de direito processual civil, 7a. ed., 2015, pag. 721).

Essa perspectiva da utilidade do recurso deve ser apreciada num enfoque prático: somente se mostra útil o recurso que possa determinar um ganho ao recorrente em sua situação fática. Desse modo, não há que se falar em interesse recursal se do julgamento de mérito do recurso não advem melhora da situação fática do recorrente.

É exatamente por essa razão que o interesse recursal está associado à sucumbência, na medida em que foi atribuído um prejuízo à parte, gerado por uma decisão judicial, frustrando uma legítima expectativa inicial dela. E essa situação fática desfavorável somente poderia ser remediada com a interposição do recurso cabível.

Contudo, a exigência da ocorrência da sucumbência como requisito para configurar o interesse recursal deve ser encarada em termos, pois o terceiro prejudicado e o MP (na condição de fiscal da ordem jurídica) exatamente por não serem parte, não sofrem qualquer prejuízo ou piora na correspondente situação fática em decorrência da decisão judicial, não havendo, por assim dizer, qualquer frustração de expectativa inicial.

Por outro lado, quando se examina o interesse recursal da parte, outras considerações são relevantes, como a distinção entre sucumbência formal e material.

Alguns doutrinadores classificam a sucumbência em formal e material.

Seria formal a sucumbência quando existir diferença entre o pedido do autor e o concedido pelo juiz. Sucumbência material seria o mero gravame da decisão judicial, em piorar a situação do interessado.

Logo, haveria sucumbência formal quando o conteúdo da parte dispositiva da decisão judicial divergir daquilo que foi requerido pela parte no processo. É um critério quase matemático, pois se apura a diferença entre o que se pede ao órgão jurisdicional e que foi consignado por este na decisão judicial. Assim, o autor terá sucumbido formalmente se o seu pedido não for julgado integralmente procedente, e o réu, da mesma maneira, se o pedido do autor não for julgado inteiramente improcedente.

Entretanto, o critério da sucumbência formal não se mostra completamente satisfatório para várias situações existentes. Podemos imaginar a situação do revel, que pode apelar mesmo sem ter feito pedido anterior algum; os pedidos implícitos (aqueles que o juiz poderá conceder de ofício – ex.: juros, honorários) não foram pedidos e cabem recurso de sua decisão; e o terceiro prejudicado ou o MP, como fiscal da lei, que nada pediram ao processo e possuem interesse de recorrer. O principal defeito do critério formulado com base no prejuízo (formal) consiste em limitar o confronto em uma ótica retrospectiva: apenas se compara a situação da parte em face daquela em que se encontrava antes da decisão

Por outro lado, haveria sucumbência material quando, independente da formulação da parte, a decisão judicial colocá-la em situação de desvantagem, ou seja, faz emergir situação fática pior do que tinha antes do processo. Ou seja, a diferença entre "o desejado  no mundo prático e o praticamente obtido no processo gera a sucumbência material da parte" (Daniel Assumpção, Manual de direito processual civil, 7a. ed., 2015, pag. 723).

           A sucumbência material não se liga propriamente à divergência entre o pedido e o que foi decidido no seu aspecto formal, mas sim, e principalmente, aos efeitos prejudiciais da decisão, independente de ter sido pedido ou não. Com a sucumbência material, o confronto será feito de forma prospectiva, ou seja, tiver interesse em recorrer quando o recorrente puder obter algum proveito do ponto de vista prático


         Logo, pode-se constatar que havendo sucumbência formal, sempre decorrerá alguma sucumbência formal, mas excepcionalmente pode não ocorrer sucumbência formal, todavia verificar-se-á sucumbência material (como na hipótese de acolhimento do segundo pedido na ordem de preferência do autos na cumulação imprópria subsidiária ou eventual. Ex: acolhimento de revisão contratual, quando o pedido "principal" seria o de rescisão contratual).
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Recursos civis - cumulação de pedidos e pedido alternativo

CUMULACAO DE PEDIDOS (art. 326)

1. Cumulação própria: possibilidade de procedência simultânea de todos os pedidos

1.1 Cumulação própria simples – os pedidos são absolutamente independentes entre si, ou seja, o resultado de um não influi nem condiciona no resultado de outro. Ex: pedidos de dano moral e dano material (Súmula 37, STJ).
1.2 Cumulação própria sucessiva – existe relação de dependência (prejudicialidade) entre os pedidos, de modo que se o pedido anterior for rejeitado, o pedido posterior perderá seu objeto. Ex: investigação de paternidade cumulada com alimentos; rescisão do contrato por culpa e pagamento de multa compensatória.


2. Cumulação imprópria: diante da formulação de mais de um pedido, apenas um poderá ser acolhido.
2.1 Cumulação imprópria subsidiária ou eventual – o autor apresenta os pedidos segundo uma ordem de preferência; os anteriores são principais, os posteriores, na impossibilidade de acolhimento dos principais, são formulados subsidiariamente. Ex: pedido de rescisão contratual por abusividade de cláusula, ou de revisão contratual.
2.2 Cumulação alternativa – não há ordem de preferência, o autor pretende qualquer um dos pedidos, ou seja, ele formula dois pedidos e o acolhimento de qualquer deles pelo juiz o satisfaz. Ex.: art. 18, I, CDC. Ação consumerista com pedido de devolução do dinheiro, entrega de novo produto ou concessão de desconto.


3. PEDIDO ALTERNATIVO (art. 325): o pedido é um só, mas há cumulação na forma de satisfação do direito pelo devedor. Ex. Ação securitária. Condenada a seguradora a cumprir o contrato (pedido único), pode esta pagar o valor devido ou entregar um novo veículo, formas de satisfação previstas no contrato.


4. REQUISITOS (art. 327 do CPC)

a) Compatibilidade entre os pedidos (esse requisito só é exigido na cumulação própria).
b) Competência do juízo para todos os pedidos – se a competência for absolutamente distinta, não é possível a cumulação. Ex: quando um pedido é contra o particular e o outro contra a União. Por outro lado, se a competência for relativamente diferente, será possível a cumulação se: a) os pedidos forem conexos, pois neste caso, em razão da conexão e da prevenção, a competência do juízo fica prorrogada para todos os pedidos; e, b) não havendo conexão, se o réu não oferecer exceção no prazo de resposta, também ocorre a prorrogação da competência. Neste caso, se for oposta a exceção, o juiz desmembrará as ações, frustrando a cumulação.
c) O procedimento deve ser adequado para todos os pedidos, ou deve o autor optar pelo procedimento ordinário (art. 327, §2ª do CPC).

Recursos civis - atividade de sala 1

ATIVIDADE DE SALA 1



ESTRUPÍCIO propôs, em face de MALAQUIAS, ação de cobrança na qual pediu que fosse o réu condenado a pagar-lhe R$ 20.000,00. MALAQUIAS, em defesa, alegou que já pagara a dívida integralmente e que, além disto, estava consumada a prescrição. O juiz prolatou sentença, acolhendo o pedido no tocante à condenação do réu em R$ 8.000,00, sob o fundamento de que, em relação à outra parcela, se verificara o correspondente pagamento. Pergunta-se:

(a) Se, no julgamento do recurso contra a sentença, o tribunal decidir que toda a dívida estava prescrita, terá o juízo a quo cometido error in procedendo ou error in judicando?

(b) Caso somente ESTRUPÍCIO apele, poderá o tribunal reformar a sentença para julgar o pedido inicial totalmente improcedente?

Recursos civis - efeitos e princípios recursais

1. TEORIA GERAL DOS RECURSOS.

1.0.5. Efeitos dos recursos

@) Efeito substitutivo: decorre do julgamento de mérito recursal, na hipótese da decisão recorrida veicular error in judicando (art. 1.008).

a) Efeito obstativo: impede a geração da preclusão temporal.

b) Efeito devolutivo: transferência (“devolução”) do conhecimento das matérias objeto de decisão, para nova análise e decisão.
  • Dimensão horizontal (extensão): escolha pelo recorrente da matéria impugnada - “capítulos de sentença” (art. 1.013, caput) → recurso parcial ou total.
  • Dimensão vertical (profundidade): efeito legal automático, independe de qualquer manifestação pelo recorrente (STJ, Resp 1.125.039) → alegações, questões e fundamentos da matéria impugnada (art. 1.013, §§1º e 2º, e 1.034, p.u.).
c) Efeito suspensivo: impede a geração de efeitos da decisão impugnada enquanto não julgado o recurso interposto.
  • efeito suspensivo próprio: ope legis (ex.: art. 1.012, caput; art. 995, caput, parte inicial).
  • efeito suspensivo impróprio: ope judicis (requisitos especiais. ex.: art. 995, caput, parte final e parágrafo único).
  • Ausência em leis extravagantes.
d) Efeito translativo: permite o conhecimento de matérias de ordem pública (ex.: arts. 485, §3°, e 337, §5°) e daquelas que podem ser conhecidas de ofício (ex.: prescrição), no julgamento do recurso.
  • CPC1973: inadmissibilidade nos recursos extraordinários (STF, AI 823.893).
  • CPC2015: "admissibilidade" nos recursos extraordinários (RE e RESp) (art. 1.034, p.u.)

e) Efeito expansivo: ocorre quando o julgamento do recurso enseja decisão mais abrangente que a matéria impugnada (efeito expansivo objetivo) ou atinge partes da demanda que não recorreram (efeito expansivo subjetivo).
  • ef. expansivo objetivo interno → exceção à extensão da devolução: refere-se a capítulos não impugnados da decisão recorrida que serão atingidos pelo julgamento do recurso (relação de prejudicialidade entre a matéria impugnada e a matéria não impugnada) (STJ, Resp 440.993). Ex.: A provimento da apelação em demanda indenizatória em razão da exclusão da responsabilidade do apelante, dispensa a apreciação da questão do quantum da condenação.
  • ef. expansivo objetivo externo → o julgamento do recurso atinge outros atos processuais que não a decisão a decisão recorrida. Ex.: O provimento de agravo interposto por indeferimento de prova pericial enseja a anulação da sentença e prejudica a apelação interposta.
  • ef expansivo subjetivo (“dimensão subjetiva do efeito devolutivo”) → possibilidade de um recurso atingir um sujeito processual que não tenha feito parte do recurso. Ex.: art. 117 e art. 1.005, p.u.(STJ, Resp 908.763).

f) Efeito regressivo: possibilidade de exercício do juízo de retratação pelo julgador que proferiu a decisão recorrida (ex.: arts. 331 e 332, §3º).

1.1. PRINCÍPIOS GERAIS DOS RECURSOS

1.1.1 Duplo grau de jurisdição
  • derivado do princípio do devido processo legal, estabelece que toda decisão judicial pode ser submetida a novo exame por órgão jurisdicional diverso e/ou superior (Ex.: CF, art. 102, II e III).
  • Em razão da previsão constitucional, essa garantia impede a supressão dos recursos previstos na CF (ex.: RE e RESp).
  • Impossibilidade de supressão no processo penal: art. 8, n. 2, letra h, do Pacto de San Jose da Costa Rica
  • Exceções constitucionais (arts. 102, III , 105, III e 121, §3º) e infraconstitucionais (art. 1.013, §3°) (STJ, RMS 21.885).
1.1.2. Taxatividade (legalidade)
  • necessidade de previsão expressa em lei federal (CF, art. 22, I) e não pela vontade das partes ou órgãos jurisdicionais, que, por essa razão, veicula um rol exaustivo de espécies recursais (ex.: art. 994).
  • Previsão em leis extravagantes: art. 34 da LEF e art. 41 da Lei 9.099/95.
  • impossibilidade de criação ou supressão de recurso por regimento interno de Tribunal (STJ, AgRg 436.576).

1.1.3. Singularidade (unicidade ou unirrecorribilidade)
  • admissibilidade de apenas uma espécie recursal como meio de impugnação de cada decisão judicial (STJ, Resp 1.035.169).
    ressalva quanto ao litisconsórcio, à sucumbência recíproca e à sucessividade das decisões.
  • Exceções”: interposição de RESP e RE contra o mesmo acórdão; interposição de RESp, RE e ROC contra acórdão de Tribunal (competência originária + procedência parcial).

1.1.4. Voluntariedade
  • decorre do princípio dispositivo: a existência do recurso é condicionada pela vontade da parte, por meio da sua interposição.
1.1.5. Fungibilidade
  • fundado no princípio da instrumentalidade das formas, permite o recebimento e processamento de um recurso por outro, por força legal (ex.: art. 1.024, §3º) ou quando atendidos cumulativamente os requisitos:
    - dúvida fundada a respeito do recurso cabível (indefinição pela lei: arts. 395 e 718-719 do CPC73; divergência doutrinária ou jurisprudencial: art. 395 e 997 do CPC73; erro do julgador na espécie de decisão – ex.: sentença na exceção de incompetência) (STJ, Resp 197.857);
    - inexistência de erro grosseiro (previsão legal expressa: art. 331, caput; art. 1.009; recursos constitucionais;) (STJ, AgRg 533.154);
    - inexistência de má-fé – irrelevância do prazo ou adoção do prazo menor.

1.1.6. Proibição da reformatio in pejus
  • inadmissibilidade da piora da situação do recorrente em virtude do julgamento do seu próprio recurso, atendidos cumulativamente os requisitos:
    - sucumbência recíproca (exceções: apelação não provida no art. 332 + condenação do autor em honorários; litigância de má-fé, art. 81, caput);
    - recurso de somente uma das partes.
  • Excepcionalmente admitida a reformatio in pejus na aplicação:
    - do efeito translativo do recurso, se o juízo ad quem conhecer de ofício matéria de ordem pública (STJ, EDcl no AgRg no REsp 1397188/AL).
    - da teoria da causa madura (art. 1.013, I + rejeição do pedido do autor com julgamento de mérito).
  • Aplicável ao reexame necessário (Súmula 45/STJ; STJ, REsp 1.375.962).

1.1.7 Complementaridade
  • em regra, as razões recursais devem ser apresentadas no ato de interposição do recurso, operando-se preclusão consumativa.
  • Excepcionalmente, a parte recorrente poderá complementar as razões recursais do recurso já interposto sempre que no julgamento dos embargos de declaração interpostos pela parte contrária surgir uma nova sucumbência (art. 1.024, §4º).

Recursos civis - conceito, características, classificação e vícios das decisões

1. TEORIA GERAL DOS RECURSOS (Leis 13.105-2015 e 13.256-2016)

1.0. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

1.0.1. Conceito
  • Meios de impugnação das decisões judiciais: recursos e sucedâneos recursais.
  • Recurso: remédio processual voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna (Barbosa Moreira).
  • Pronunciamento judiciais recorríveis: sentenças (art. 203, §1°), decisões interlocutórias (art. 203, §2°) e acórdãos (art. 204).
    Irrecorribilidade dos despachos (art. 1.001): em regra, salvo aqueles que causem prejuízo à parte.

1.0.2.Características:
    - expressa previsão em lei federal (art. 994);
    - voluntariedade (ônus processual): uso pelas partes, MP e terceiros prejudicados (art. 996).
    - desenvolvimento no mesmo processo;
    - finalidade de reforma, invalidação, esclarecimento ou integração; 


    1.0.3. Sucedâneos recursais

  • meios de impugnação de decisão judicial: pode ser interno (desenvolvido no próprio processo) ou externo (desenvolvido em processo distinto).
  • Sucedâneos recursais internos: reexame necessário (art. 496), correição parcial (art. 6°, I, Lei 5.010/66), impugnação ao cumprimento de sentença (art. 525, §1°) e o pedido de reconsideração (construção jurisprudencial).
  • Sucedâneos recursais externos (ações autônomas de impugnação): ação rescisória (art. 966), reclamação constitucional, mandado de segurança contra decisão judicial (Súmula 267/STF; STJ, RMS 43.439), querela nullitatis, embargos à execução contra a Fazenda Nacional (art. 535).

1.0.4 Classificação
  • quanto ao conteúdo impugnável da decisão: total ou parcial (art. 1.002).
  • quanto à presença de requisitos especiais: ordinário e extraordinário.
  • quanto à amplitude da causa de pedir recursal: fundamentação livre e fundamentação vinculada (ex.: embargos de declaração – art. 1.022, recurso extraordinário e recurso especial).
  • quanto ao objeto imediato do recurso: ordinário (dir. subjetivo) e excepcional (dir. objetivo).

1.05. Defeitos das decisões

a) Error in procedendo: vício na atividade judicante e desrespeito às regras processuais (requisitos formais). Ex.: impedimento ou suspeição, nulidade de citação, ausência de fundamentação da decisão, não participação do Ministério Público (art. 178), julgamento extra petita (STJ, REsp 963.220)
Efeito: cassação/anulação da decisão recorrida.

b) Error in judicando: má apreciação do direito, i.e., apreciação de forma equivocada dos fatos ou realização de interpretação jurídica errada sobre a questão discutida (conteúdo decisório).
Efeito: reforma/substituição da decisão recorrida.